terça-feira, 1 de setembro de 2009

O mato

O relógio ainda não bateu a hora que corresponde ao infinito na posição vertical e o sol já ilumina tudo, deixando todas as coisas envoltas em uma espécie de névoa há muito deixada de lado, sem deixar de ser familiar, e eu já caminho.A cidade tem cheiros atraentes. Lembram a infância. Cheiro de boneca nova, da ração do meu cachorro, da coxinha do aniversário. Mas eu ainda prefiro o mato. Não há nada mais interessante do que ele. O mato sim é legal. Lá as cores são harmônicas, tudo está onde pelo menos eu faço idéia de que deve estar. O cheiro é cheiro de verde, cheiro de animal, cheiro de vida, de pó, de terra. Mas eu tenho medo do mato. Medo do mato e do vento. A combinação perigosa do mato e do vento.Mato é mistério, é aventura, é, no meu caso, superação. Ando pelo mato, me enrosco em folhas, galhos e gravetos. Quase caio de pedras falsas e, às vezes, tropeço nelas. Sinto o vento levar ao alto meus cabelos e tremo toda em face ao precipício a alguns passos de distância. Ao chegar ao topo, mais sensações. Pedra, mais vento, céu, sol. Agora são grãos e líquidos. Sensações gustativas. Grãos de soja, trigo industrializado e água, a grande, e futuramente mais cara, bebida do universo.Pedras, descanso. Risadas, fotos e o céu. O sol me atinge direto no rosto e a sensação é estranhamente gostosa. Deitada na pedra, a sensação de saber como é voar de lá de cima, sentida, muitas vezes, lá de baixo, é simplesmente esquecida. Não dá vontade de se jogar de lá. Dá vontade de deitar e esperar que o tempo mude, que passe, que me leve, como o vento leva as asas dos pássaros negros que me rodeiam. Revigorante. Mas calma! Essa é só a metade do caminho.Volto a andar. Mais árvores, mais galhos e folhas, mais terra, mais pó. O calor é grande e o sol parece cruel, mas a vontade é a maior e nem meu coração que parece sair pela boca por conta da escolha errada da cor das minhas vestes e por tanto esforço podem me fazer desistir. Parei mais uma vez, sentei. O branco das pedras era de uma ausência de conflito confortante. Deixei o cabelo ao vento junto com meus pensamentos e ouvi. Simplesmente ouvi a conversa ao meu redor (não estava sozinha!). Ri com eles e fiz poses para as fotos, únicas recordações concretas. Tirei algumas também.Voltei a andar. Ainda tinha que voltar a subir a montanha. Mais uma vez, o coração reclama, mas não quero dar tanta atenção a ele assim. É preciso subir a montanha. Parei, descansei. Conversa agradável, lembranças dos acontecimentos passados e de pessoas que não foram.Mais subida, mais estrada, mais fotos, mais conversas. Mais superação. Passar por caminhos nunca antes notados, embora vistos. Caminhos estreitos. Rua. Civilização. A cor destoante e a forma bruta das cidades. O excesso de informação, a barulheira de carros e motos. O sol nunca foi tão quente, talvez pelo adiantado da hora, talvez pelo fim do devaneio. Andei, andei mais um pouco. Agora faltava nada para chegar em casa.Andei mais. Encontrei uma amiga no caminho. Conversa agradável, coisa de mãe. Fotos do casamento do filho mais velho, meu amigo, em primeiríssima mão. Álbum recém revelado. Andei mais. Finalmente cheguei, sem antes passar pelo mato. Só mais um pouco, só para não esquecer como é. O mato, mil vezes o mato! Sagrado mato, sagradas sensações. Bendita seja a balbúrdia da cidade que me faz gostar do mato. Bicho-homem, bicho do mato! O que fica com tudo isso? Ficam as fotos, ficam as lembranças, fica o rosto queimado do sol, ficam aguçados todos os sentidos.

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