segunda-feira, 18 de junho de 2012

Dos fragmentos do Caos


"- Não pode ser bom você chegar ao ponto de ter que abandonar até o que há de ruim por dentro e por fora para poder começar a redesenhar tudo o que foi perdido no desenrolar dos acontecimentos.
- O que há de bom ainda permanece. Permanece?
- Não precisei abandonar, ele foi embora sem eu fazer muito esforço.
- E o que pode ser feito sobre isso?
- Pensei na possibilidade de sentar e chorar, mas a efetividade disso é tão falha quanto esperar o tempo resolver as pendências. O tempo não resolve nada, a lágrima não resolve nada, a espera só piora todas as coisas. Esperança talvez seja a pior coisa a sentir, acreditar é a pior das virtudes. Agora é hora de levantar dessa cadeira e, já sem nada dentro de mim, começar a destruição. É o único modo que eu vejo para poder conseguir caminhar."


Das entranhas estranhas de Ane Battagy.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Pequenos relatos


O que vai na sua mente?
1947. Sou pintor e arquiteto frustrado. Gosto de música clássica. Aparentemente sofri abusos quando era criança – isso talvez explique as altíssimas pesagens de cocaína ingerida. Tentei ser fértil- isso explica as injeções de sêmen de boi. Cansei. Resolvi dar a volta por cima: esperei uma crise, fiz meu melhor discurso, agreguei milhões de fiéis escudeiros, construí salas sem janelas, mas com uma circulação de gás maravilhosa. Matei muitos. Teria dado certo, não fossem os falsos aliados e um bando de estrangeiros demasiadamente polidos.
O que vai na sua mente?
Mil novecentos e noventa e dois, aproximadamente. Sou um motoboy de 29 anos muito do feio, mas ambicioso. Resolvi sair para pegar geral, mas a 125 era muito down. Resolvi pegar uns carros mais legais, umas motos mais bacanas. Comi muitas, apesar dos gritos de insatisfação. Irritei-me e matei a maioria delas. Teria dado certo, não fossem duas franguinhas que conseguiram escapar com vida.
O que vai na sua mente?
Sou uma adolescente mimada com curso de direito no meio, um namorado, um cunhado e um seguro de vida muito do satisfatório. Cansei. Chamei namorado, cunhado. Peguei algumas armas e a chave do quarto. Os matamos enquanto dormiam. Fiz cara de inocente. Teria dado certo, não fossem os vizinhos e empregados enxeridos.
O que vai na sua mente?
Jesus. Jesus salva, mas cobra. Cobra pouco, isso é verdade. Eu não tenho dinheiro para o dízimo do mês. Papai e mamãe não acreditam. Pedi mesmo assim. Não me deram. Matei. Matei porque Jesus salva, mas cobra. Teria dado certo, não fossem os vizinhos enxeridos.
O que vai na sua mente?
 Pecado. Salvação. Alguns dizem que Jesus salva. Eu digo que Ele me deu esse poder. Carnívoros. Receitas. Salvação. Matei, comi. E não me arrependo... era a única forma de purificação. Teria dado certo, não fossem as famílias excessivamente preocupadas.
O que vai na sua mente?
Já fui enfermeira, agora faço direito. Cansei. Resolvi ser dona de casa: casei com o herdeiro de uma das maiores empresas de alimentos do país. Um golpe de mestre. Um belo tempero! Cansei de novo. Resolvi adiantar o dinheiro do seguro de vida. Queria fazer uma pequena viagem. Simulei uma briga, mandei mensagem para o cunhado, piquei em pequenos pedacinhos, como manda a boa e bonita culinária, arrumei as malas e fui. Teria dado certo, não fossem as companhias de telefone.
O que vai na sua mente?
Tenho vinte e quatro anos. Chove. Já fiz meu único compromisso de hoje, que é dar comida ao cachorro. Nada mais sobrou para fazer. Teria dado certo, não fossem a Tv e as revistas.