segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Die Welle





A autocracia não é possível nos dias de hoje?
Essa pergunta chave é que desencadeia os acontecimentos – e posteriores consequências- de um dos filmes mais surpreendentes a que assisti. Die Welle (A onda) não é lá um filme tão novo, mas –agora sei que infelizmente- ainda não tinha visto.
Nesse filme, Reiner é um professor que é obrigado a dar uma disciplina com a qual não compactua, anarquista que é: a autocracia. Ele tenta trocar de disciplina com um professor mais rígido, mas esse não concorda. Que fazer? Dar a disciplina do modo mais eficaz e competente possível.
 A aula começa com uma troca de perguntas bastante comum, do tipo “O que é para você autocracia?”, a que os alunos respondem da maneira a que estão acostumados: informalmente.
Até aí, nada de mais, exceto pela pergunta que desencadeia tudo e que começa esse texto. É por meio dela que o professor tem a ideia de fazer com que os alunos “sentissem na pele” o que é estar em um regime autoritário. Um grande experiência, não?
Dia após dia, as bases desse tipo de regime vão sendo inseridas: o líder, o uniforme, as ordens e preceitos, o símbolo, o nome, a manipulação. Interessante é notar que as ideias saem da própria cabeça dos alunos, que são incapazes de notar o tamanho da manipulação a que estão sendo submetidos com assustadora rapidez. Uma semana e o regime já está plenamente instalado e aceito pelo grupo, que tenta impô-lo não só aos alunos da escola, como à sociedade, por meio de páginas na internet, de adesivos e pichações espalhadas pelas ruas.
O desfecho da história é surpreendente e faz com que se comece a pensar na força que manipulação tem, na facilidade –em termos- que é controlar pessoas em alguma fase de desconforto (Na Alemanha real, era a destruição do país, sua economia e sociedade. No filme, são os conflitos familiares, entre amigos, entre gostos, a falta de pertencimento a uma comunidade e a falta de uma ideologia comum).
Interessante aqui –puxando a sardinha mais para o meu lado, apesar de eu odiar peixe =P- é notar o papel do professor, que tanto pode guiar seu aluno para o “caminho do bem”, como pode inseri-lo em ideologias que já não são aceitas [um dia foram?] e consideradas um passado a não se orgulhar. E, nesse caso, esse papel não só saiu do controle, como foi muito mais além disso. 



Lebenslauf (laut Partizip II)

verliebt, verlobt, verloren.

domingo, 7 de outubro de 2012

She she pop

Dedicado a Demetrius, Marília, She she pop e seus pais e a tia do alemão, né? =D



Lá fui eu tomar um ônibus, dois metrôs e mais um fucking ônibus única e exclusivamente para ver uma peça de teatro. Dessa vez, julgo eu que por pura insistência da minha parte e consideração, bondade e curiosidade da parte deles, fui acompanhada de dois amigos.
A peça era uma curiosidade só: três atrizes, seus pais não autores, na língua alemã, com legenda. Atores e não atores? Legenda em peça? Ah, vamos ver no que dá!
Sesc Santana, sábado, 06 de outubro de dois mil e doze, sete e meia da noite: enquanto esperamos, falamos de nossas amizades, do gosto de pomada que tem creme de cupuaçu com farofa de castanha (invenção minha pedir coisas que nunca comi! =P) e de nossas expectativas com relação à peça.
Graça divina -ou algo parecido- que um dia alcançarei: trocar de língua (inglês« alemão) em segundos, só para pedir licença para o desastrado da frente (aeeewwww... tinha que estar em minha companhia! =DD).
Entramos. Não era hora ainda, então ficamos discutindo a decoração do lugar, a pintura de nossas futuras casas e a questão do ridículo no uso de armação de óculos patrocinada pela Chiquinha do Chaves e suas variantes, sejam elas coloridas ou não.
E abrem-se as portas! Achar o lugar não foi difícil... esperar todo mundo fazer o mesmo foi... AH, SE FOI!
Fase do acaso: Uma família alemã sentada na fileira de traz.
Frustração: Uma meia dúzia de três ou quatro palavras (Alô, Peri! Como vai você?) entendidas. Quem foi que disse mesmo que dava para aprender alemão em uma só encarnação? Scheisse*!
E começa a peça!
Confesso que achei tudo estranho no início: A peça era bem diferente de tudo o que já tinha visto.
Câmera, trompetes, legendas, quadros e as atrizes e os não-atores no palco. Não sabia para onde olhar! Queria me livrar da legenda e ver se ponha a prova os seis longos anos escutando alemão, mas não foi tarefa tão fácil assim (Cadê C1, minha gente!?!). Desencanei, no português já quase inapropriado para minha idade.
Falando nisso….
O tema da peça era conflito de gerações. Baseada em “Rei Lear”, ela trazia as já –tão- mencionadas três atrizes e seus pais discutindo os problemas da relação entre gerações diferentes.
Nome da peça: Testamento. Esse foi o ponto de partida para o início da discussão-peça que viria.
Conflito pessoal: era para ser uma comédia, não? Cadê o riso, minha gente?! Lá veio ele: um dos pais da peça, físico (Himmeeeeeellllllll! =D), começa a explicar a expressão do amor pelo pai para ganhar um terço do reino como herança na fala das filhas de Rei Lear, a peça original, usando um esquema, um gráfico e uma derivada da somatória da matriz... Ri muito! Para mim, um dos pontos altos da peça.
Conflito pessoal: era para ser uma comédia, não? Cadê o riso, minha gente?! Lá veio o posto a ele: Em uma duas falas mais comoventes da peça, o pai diz que não acha nada engraçado expor suas fraquezas e especificidades numa peça assim, do modo como estavam fazendo. Na outra, a filha diz todos os cuidados – e com que frequência- que deverá ter com seu velho pai, quando esse passasse a viver com ela e precisasse desses cuidados. Bastante tocante.
Entre danças, risos, dilemas e duetos, a peça acabou. Sobraram as discusses pós-peça, as lembranças, a noite, o vento e a caminhada para a estação de metrô mais próxima, já que não era nem um pouco seguro atravessar a avenida correndo e ir ao Habib´s mais próximo.
Sobrou também ligar para a geração anterior nos buscar...
And then I go and spoil it all by saying somethin’ stupid like “I Love you”. 



* Escrever o danado do "estzet" aqui é sempre um problema. Logo, achei melhor utilizar os dois esses que corresponderiam à letra alemã. 





Joe, Engel, o acaso e Christiane F.

O acaso sempre fez parte da minha vida. Nele acredito e com ele tenho histórias mil para contar. Foi ele quem me fez descobrir o youtube. Foi ele quem me fez descobrir filmes inteiros no youtube. Foi ele quem me fez descobrir artigos sobre filmes alemães inteiros no youtube.
E foram o youtube e o já citado artigo sobre filmes alemães que me fizeram ver o famosíssimo Christiane F., que muito pouco ou nada tem a ver com esse pretenso texto.
Christiane F. é mesmo uma obra prima. É tudo o que falam: pesado, assustador, extremamente real e, acima de tudo, inesquecível. Não há, de fato, como passar por ele sem refletir sobre o problema das drogas, seus efeitos nos indivíduo e na sociedade e os outros males que ela acarreta ou sustenta.
Mas, como esse pretenso texto pouco ou nada tem a ver com coisas certas, nem com o Christiane F., como já disse, e sim com o danado do acaso, o que veio depois desse filme foi o que me fez escrever.
Como já é sabido até por mim, o youtube apresenta vídeos relacionados ao que você está assistindo. Não me pergunte como é feita essa relação, pois há coisas lá que simplesmente não combinam com o que você assiste no momento, ou pouco o fazem.
E de repente, lá estava eu, diante de um título bastante intrigante: Joe e Engel: A nova geração Christiane F. Fiquei super curiosa, pois acabara de assistir ao que seria o primeiro de uma –agora descoberta- série de filmes e, claro, queria terminar a tarefa.
Adianto que Joe e Engel nada tem a ver com “Nós, as crianças da estação” (Esse é o nome real do Christiane F. [da série Oi, eu sei alemão! =D]), exceto um dos, salvo engano, roteiristas.
O assunto é, vinte e cinco anos depois, novamente a juventude transviada de Berlin. Nele estão de novo as drogas, o sexo, a prostituição (por que não?). Nele são novos a gravidez precoce e algo que me fez amá-lo tanto a ponto de assistir trocentas vezes seguidas, coisa que só acontecera anos antes, com o clássico Laranja Mecânica.
Esse algo foi a delicadeza das coisas que não se mudam com facilidade e a força de vontade que elas exigem, sem se deixar ser audacioso, inquieto e deveras sensível.
Joe é uma jovem como outra qualquer, exceto pela mãe viciada em remédios e em um relacionamento tumultuado que desencadeia o vício em remédio. Cansada desse ciclo, ela resolve sair de casa e tomar conta da própria vida, levando apenas uma bolsa, um casaco, a roupa do corpo e Rasta, seu fiel cão.
De novo o acaso! É por ele que Rasta foge da dona e sai correndo, ao encontro de um grupo de amigos punks que brinca entre si numa das calçadas e vai morder justo o pé de Engel, um punk deveras sensível, em vias de largar o vício em drogas (na verdade, só se entende que ele foi de fato viciado no decorrer do filme) que mora nas ruas, pois foi abandonado pelos pais em um orfanato- coisa que a gente entende só com o filme bem adiantado.
Esse logo se interessa pela garota nada acostumada à vida nas ruas, a defende de um grupo de fascistas em um show, dá-lhe abrigo e a introduz ao grupo com quem anda. Aos trancos e barrancos, essa relação nada comum vai se desenvolvendo e vira uma paixão. Planos são feitos: Engel conta à namorada que planeja sair de Berlin e ir para o campo, onde fundará uma comunidade anarquista de subsistência e ele decide ir com ele.
 Porém, em uma briga, Joe acaba por ser estuprada (acho que poderia definir a cena com esses termos) e Engel encontra a polícia, enquanto a procura Joe pela estação de trem onde ocorreu a briga, e, ao tentar fugir dela, é atropelado.
O ponto de virada do filme é exatamente esse, pois, Joe se descobre grávida e Engel se dispõe a assumir o filho que, devido ao estupro, pode não ser dele.
Para sustentar esse filho, Engel procura emprego, mas não consegue ficar em nenhum deles, primeiro pela aparência, depois por que ninguém acredita na história “mulher e filho pequeno para sustentar”, o que o faz roubar para que Moisés não precise aprender a engatinhar em um cemitério.
Assim que consegue tirar sua amada e o filho do hospital, Engel acaba preso e Joe volta para casa, apoiada por uma assistente social, pela mãe e pelo skatista, suposto pai “playboy” do filho dela.
Engel escreve cartas mil e Joe responde apenas uma delas acabando o relacionamento, o que  o leva ao desespero total e a volta ao vício em drogas.
No Natal, Engel consegue sair da cadeia e vai visitar Joe, que decide, novamente, viver com o namorado.
É Joe quem exerce papel importante no desenrolar da trama até seu final. É ela que tem um misto de delicadeza e força para conseguir resolver todos os problemas que aparecem. Não que Engel seja um descontrolado, mas ele se revela mais sensível e carente do que ela.
 O filme todo faz esse jogo com o delicado e o racional, necessário, além de mostrar que a tal da juventude transviada pode sim, crescer e buscar o que é melhor para si. Basta a força de vontade que Joe representa, em minha opinião.
Com relação a coisas mais técnicas, das quais eu pouco sei, chamou-me atenção a fotografia, que constrói significados por ela mesma (atente-se para a última aparição de Moisés e a cena que se segue.... achei primorosa!), opondo os raros colorido e claro ao escuro e sombrio de cada cena, o que faz lembrar sim o filme anterior do roteirista.
Também chamou-me a atenção a trilha sonora, que não é o Bowie do filme anterior, mas tem músicas muito boas e muito bem inseridas nas cenas.
Clichês, como o famoso “fugere urbem” (era assim que escrevia? =D) ou “o interior é mais legal” existem, é claro, no filme. É mais uma metáfora de vida nova e superação do que de descanso, em minha opinião. Outro clichê bastante aparente é a existência da família, que aqui serviu tanto para destruir as personagens, como para guiá-las, redimindo a instituição no final.
Joe e Engel: a nova geração Christiane F. é um filme excelente, bem balanceado entre o delicado do mundo, sem ser piegas, e o seu ponto mais cruel, sem ser também um Coliseu, onde a menor menção a um polegar em riste te coloca frente a leões prontos para o banquete. É um filme extremamente envolvente.
 Você que conseguiu ler isso até agora, procure assistir ao filme e me diga o que achou nos comentários.