quarta-feira, 23 de junho de 2010

Última fala da peça, portanto última fala da personagem:

"SÔNIA- Que é que se pode fazer, tio Vânia? Continuar vivendo (Pausa.) Nós vamos continuar vivendo, titio.Vamos atravessar uma fileira interminável de dias tediosos. E noites tediosas. Vamos aceitar com toda a paciência as provações que o destino nos impuser. Trabalharemos para os outros, agora, e mesmo quando formos velhos. Jamais descansaremos. Quando chegar nossa hora, aceitaremos a morte com resignação e, do outro lado, além da morte e além do túmulo, contaremos tudo o que sofremos, tudo o que choramos, tudo o que provamos de amargura... E Deus terá piedade de nós. Ai, querido tio Vânia, nós dois juntos conheceremos uma vida luminosa, feliz e harmoniosa. Teremos então a plenitude e olharemos as nossas desditas de hoje com um sorriso de ternura- e aí descansaremos. Eu acredito nisso, meu tio, acredito fervorosamente. Apaixonadamente... (Ajoelha-se diante dele, põe a cabeça nas mãos dele e fala com voz de cansada.) Nós descansaremos. (Tekéguinte toca suavemente.) Ouviremos os anjos e veremos todos os céus coalhados de estrelas como diamantes, e toda a maldade terrena, todos os nossos sofrimentos terrenos serão varridos pela misericórdia que cobrirá o universo. E a vida será pacífica, gentil e suave como um carinho. Eu acredito! Eu acredito! (Com o lenço enxuga os olhos do tio.) Pobre tio Vânia! Coitado do tio Vânia, está chorando... (Também chorosa.) O senhor não conheceu as alegrias da vida, tio Vânia, mas espera... espera um pouco. Nós descansaremos. (Abraça-o) Descansaremos. (O vigia noturno bate o mato lá fora. Maria Vassiliévna toma notas à margem do panfleto que lê. Marina tricota)
Nós descansaremos!"


(Tio Vânia- Cenas da vida do campo em quatro atos. Quarto ato, pp.147-148 Tradução de Millôr Fernandes.[sim, a referência tá fora das normas da ABNT e ainda por cima, incompleta!])