O acaso sempre fez parte da minha
vida. Nele acredito e com ele tenho histórias mil para contar. Foi ele quem me
fez descobrir o youtube. Foi ele quem me fez descobrir filmes inteiros no
youtube. Foi ele quem me fez descobrir artigos sobre filmes alemães inteiros no
youtube.
E foram o youtube e o já citado
artigo sobre filmes alemães que me fizeram ver o famosíssimo Christiane F., que muito pouco ou nada
tem a ver com esse pretenso texto.
Christiane F. é mesmo uma obra prima. É tudo o que falam: pesado,
assustador, extremamente real e, acima de tudo, inesquecível. Não há, de fato,
como passar por ele sem refletir sobre o problema das drogas, seus efeitos nos
indivíduo e na sociedade e os outros males que ela acarreta ou sustenta.
Mas, como esse pretenso texto
pouco ou nada tem a ver com coisas certas, nem com o Christiane F., como já disse, e sim com o danado do acaso, o que
veio depois desse filme foi o que me fez escrever.
Como já é sabido até por mim, o
youtube apresenta vídeos relacionados ao que você está assistindo. Não me
pergunte como é feita essa relação, pois há coisas lá que simplesmente não
combinam com o que você assiste no momento, ou pouco o fazem.
E de repente, lá estava eu,
diante de um título bastante intrigante: Joe
e Engel: A nova geração Christiane F. Fiquei super curiosa, pois acabara de
assistir ao que seria o primeiro de uma –agora descoberta- série de filmes e,
claro, queria terminar a tarefa.
Adianto que Joe e Engel nada tem a ver com “Nós,
as crianças da estação” (Esse é o nome real do Christiane F. [da série Oi, eu sei alemão! =D]), exceto um dos,
salvo engano, roteiristas.
O assunto é, vinte e cinco anos
depois, novamente a juventude transviada de Berlin. Nele estão de novo as
drogas, o sexo, a prostituição (por que não?). Nele são novos a gravidez
precoce e algo que me fez amá-lo tanto a ponto de assistir trocentas vezes
seguidas, coisa que só acontecera anos antes, com o clássico Laranja Mecânica.
Esse algo foi a delicadeza das
coisas que não se mudam com facilidade e a força de vontade que elas exigem,
sem se deixar ser audacioso, inquieto e deveras sensível.
Joe é uma jovem como outra
qualquer, exceto pela mãe viciada em remédios e em um relacionamento tumultuado
que desencadeia o vício em remédio. Cansada desse ciclo, ela resolve sair de
casa e tomar conta da própria vida, levando apenas uma bolsa, um casaco, a
roupa do corpo e Rasta, seu fiel cão.
De novo o acaso! É por ele que
Rasta foge da dona e sai correndo, ao encontro de um grupo de amigos punks que
brinca entre si numa das calçadas e vai morder justo o pé de Engel, um punk
deveras sensível, em vias de largar o vício em drogas (na verdade, só se
entende que ele foi de fato viciado no decorrer do filme) que mora nas ruas,
pois foi abandonado pelos pais em um orfanato- coisa que a gente entende só com
o filme bem adiantado.
Esse logo se interessa pela
garota nada acostumada à vida nas ruas, a defende de um grupo de fascistas em
um show, dá-lhe abrigo e a introduz ao grupo com quem anda. Aos trancos e
barrancos, essa relação nada comum vai se desenvolvendo e vira uma paixão.
Planos são feitos: Engel conta à namorada que planeja sair de Berlin e ir para
o campo, onde fundará uma comunidade anarquista de subsistência e ele decide ir
com ele.
Porém, em uma briga, Joe acaba por ser
estuprada (acho que poderia definir a cena com esses termos) e Engel encontra a
polícia, enquanto a procura Joe pela estação de trem onde ocorreu a briga, e,
ao tentar fugir dela, é atropelado.
O ponto de virada do filme é
exatamente esse, pois, Joe se descobre grávida e Engel se dispõe a assumir o
filho que, devido ao estupro, pode não ser dele.
Para sustentar esse filho, Engel
procura emprego, mas não consegue ficar em nenhum deles, primeiro pela
aparência, depois por que ninguém acredita na história “mulher e filho pequeno
para sustentar”, o que o faz roubar para que Moisés não precise aprender a
engatinhar em um cemitério.
Assim que consegue tirar sua
amada e o filho do hospital, Engel acaba preso e Joe volta para casa, apoiada
por uma assistente social, pela mãe e pelo skatista, suposto pai “playboy” do
filho dela.
Engel escreve cartas mil e Joe
responde apenas uma delas acabando o relacionamento, o que o leva ao desespero total e a volta ao vício
em drogas.
No Natal, Engel consegue sair da
cadeia e vai visitar Joe, que decide, novamente, viver com o namorado.
É Joe quem exerce papel
importante no desenrolar da trama até seu final. É ela que tem um misto de
delicadeza e força para conseguir resolver todos os problemas que aparecem. Não
que Engel seja um descontrolado, mas ele se revela mais sensível e carente do
que ela.
O filme todo faz esse jogo com o delicado e o
racional, necessário, além de mostrar que a tal da juventude transviada pode
sim, crescer e buscar o que é melhor para si. Basta a força de vontade que Joe
representa, em minha opinião.
Com relação a coisas mais
técnicas, das quais eu pouco sei, chamou-me atenção a fotografia, que constrói
significados por ela mesma (atente-se para a última aparição de Moisés e a cena
que se segue.... achei primorosa!), opondo os raros colorido e claro ao escuro
e sombrio de cada cena, o que faz lembrar sim o filme anterior do roteirista.
Também chamou-me a atenção a
trilha sonora, que não é o Bowie do filme anterior, mas tem músicas muito boas
e muito bem inseridas nas cenas.
Clichês, como o famoso “fugere urbem” (era assim que escrevia?
=D) ou “o interior é mais legal” existem, é claro, no filme. É mais uma
metáfora de vida nova e superação do que de descanso, em minha opinião. Outro
clichê bastante aparente é a existência da família, que aqui serviu tanto para
destruir as personagens, como para guiá-las, redimindo a instituição no final.
Joe e Engel: a nova geração Christiane F. é um filme excelente, bem
balanceado entre o delicado do mundo, sem ser piegas, e o seu ponto mais cruel,
sem ser também um Coliseu, onde a menor menção a um polegar em riste te coloca
frente a leões prontos para o banquete. É um filme extremamente envolvente.
Você que conseguiu ler isso até agora, procure
assistir ao
filme e me diga o que achou nos comentários.